Por Ricardo
Magno da Silva Júnior.
Graduando
História pela Universidade Federal de Sergipe.
Prof. Doc.
Antônio Lindivaldo Souza
A pesquisa tem como fonte o inventário que se encontra
no arquivo geral do judiciário de Aracaju, na caixa nº 15, nº geral 1697,
período 1906 – 1908, módulo III, sobre os bens deixados por Manoel Alves de
Oliveira, que fora morador da cidade de Rosário do Catete, falecido no dia
dezesseis de junho de 1908 na mesma. Essa pesquisa objetiva indentificar alguns
traços da vida dessa pesonagem, Manuel Oliveira, sempre relacionando com a
cidade a qual pertenceu.
O
inventário com a descrição e a avaliação dos bens de Manoel Alves de Oliveira
foi escrito no dia 18 de agosto de 1908 pelo escrivão Antonio Vallido de Jesus
Dantas a mando do Juiz Municipal e de órfãos Honorio Chaves, o qual intimou a
viúva Clara Maria do Bomfim a descrever os bens, já que o falecido marido não
havia deixado testamento.
Na primeira página do
inventário o juiz, possivelmente de próprio punho, pois está assinada por ele
ao final, faz o chamamento para a “produção” do inventário:
“O Capitão Honorio Chaves Juiz
Municipal e de Orphãos em exercício desta
Villa do Rozario a seu termo na forma da lei
etc.
Mando ao Escrivão de meo
cargo Antonio Vallido de Jesus Dantas indo este por mim assignado que intime
nesta Villa a Clara Maria do Bomfim viuva de Manoel Alves de Oliveira e os
demais interessados para dar a descrever e avaliar os bens deixados pelo seu fallecido
marido. Este Juiz designa o dia 18 do corrente em casa de residencia da
inventariante.
Rozario 1º de agosto de
1908.”
Manoel Alves deixou três
filhos “os demais interessados”,
Leobino Alves de Oliveira, Philomena Alves de Oliveira e o menor de idade Augusto
Alves de Oliveira que foi acompanhado durante a avaliação dos bens pelo curador
de órfãos Manoel José da Silva Porto.
O Juiz de órfãos era a autoridade designada
para questões relativas à partilha de herança, inventários e pedidos de
emancipação, como também sobre a tutela dos menores; quanto aos menores, mesmo
que vivessem com a mãe, era quase sempre nomeado um curador porque esta, na
maioria das vezes, era impedida de assumir a responsabilidade jurídica sobre os
filhos.
O escrivão inicia a escrita
do inventário declarando ter intimado, ter notificado, no dia 3 de agosto de
1908, todas as pessoas que deveriam estar na casa de Clara Maria do Bomfim no
dia 18 do mesmo mês, incluindo o exactor, ou tesoureiro, da fazenda da Vila do
Rosário Guilhermino Ribeiro da Cunha:
“Certifico e dou fé ter intimado
nesta Villa (...) a inventariante Clara Maria do Bomfim, aos herdeiros Leobino
Alves de Oliveira, Philomena Alves de Oliveira e o menor Augusto Alves de
Oliveira ao Exactor da Fazenda Guilhermino Ribeiro da Cunha e ao curador geral
dos Órphãos Manoel José da Silva Porto(...)”
No dia 18 de agosto aconteceu
a descrição e avaliação dos bens do falecido Manoel Alves, presentes todos os
interessados, a viuva, os três filhos, o curador, o tesoureiro da fazenda e o
juiz. O escrivão mencionou a idade dos filhos do casal, porém não foi
verificada a idade da inventariante Clara Maria do Bomfim, nem do marido Manoel
Alves, de modo que a minha suposição quanto a idade dos dois só pôde se basear
na idade do filho mais velho, Leobino Alves de Olveira, descrito como tendo 26
anos de idade à época. Segue nas palavras
do escrivão:
“Declarou a inventariante que seu
dito marido faleceu no dia desesseis de junho sem deixar testamento algum
deixando tres filhos de nomes = Leobino Alves de Oliveira idade de vinte e seis
anos, Philomena Alves de Oliveira idade vinte anos, Augusto Alves de Oliveira
de idade quartose anos, sendo estes os seus herdeiros todos morando nesta Villa
a sua casa (...) Os bens que deixou são os seguintes. Um sitio de terras nas
cercanias desta Villa com oito tarefas de terras demarcados com uma casa para
fabricar farinha, que o Juiz deu o valor de quinhentos mil reis.
Uma casa com um (_ )nesta
Villa, com duas janellas e uma porta de frente, terreno próprio (...) que o
Juiz deu o valor de dusentos mil reis.
Depois de avaliar os bens o juiz prosseguiu
com a partilha para os herdeiros, do total de 700 mil réis recolheu 50 mil para
as custas do processo e os restantes 650 mil dividiu para a família, deixando
325 mil réis para a viúva e 108 mil réis para cada um dos filhos.
A
partir daí o escrivão relata apenas as declarações dos herdeiros quanto a
concordância dos termos da avaliação e da partilha feita pelo juiz, e também
faz uma minuciosa descrição dos gastos com o processo feita em 8 de setembro de
1908, gastos com o curador, as certidões, a intimação entre outros que foram
cobertos com os 50 mil réis da partilha.
Um pouco
sobre a história de Rosário do Catete
A história de Rosário do
Catete está ligada a de Santo Amaro das Brotas, o povoado do Rosário nasceu em
uma área dominada política e administrativamente por Santo Amaro, que tinha
grande influência em Sergipe no final do século XVIII e início do XIX, devido à
proximidade com o Porto das Redes que era utilizado para escoar a produção
açucareira do vale da Cotinguiba, o mesmo acontecia com Maruim que também estava
sob o domínio de Santo Amaro.
A primeira povoação do que
hoje é Rosário do Catete se deu na propriedade de Jorge Almeida Campos, senhor
do Engenho Jordão, por volta da década de 40 do século XVIII, às margens do rio
Siriri, lá foi erigida uma capela para a Imagem de Nossa Senhora do Rosário,
santa protetora dos homens pardos, em terra doada pelo mesmo senhor, por
iniciativa dos escravos do engenho.
A imagem da santa segundo
se dizia foi encontrada pelos escravos nas proximidades do lugar. A
religiosidade esteve sempre presente e contribuiu sobremaneira para a
organização social dos novos habitantes, principalmente para a população
escrava que se organizava em irmandades. Em Rosário do Catete foi formada em
1817 a irmandade religiosa de Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos, essa data é referente a informação dada pela
igreja, supondo assim que essa irmandadea seja até mais antiga.
O povoado do Rosário se tornou
independente no ano de 1836 com a Lei de 12 de março do mesmo, sancionada pelo
presidente de Sergipe DR. Bento de Melo Teixeira, e foi denominada Vila de
Nossa Senhora do Rosário do Catete.
Manuel
Alves nasceu provavelmente na década de 50 do século XIX, no censo de autoria
da Delegacia da Vila do Rosário de 28 de março de 1848 a população livre da
Vila contava com cerca de 6.000 habitantes com 3.100 homens e 2.900 mulheres, é
de se pensar que a população da cidade quando da morte do personagem em 1908
não tenha sofrido grandes alterações, a população atual da cidade de Rosário do
Catete, ano de 2013, não passa de 10.000 habitantes, lembrando que o censo de
1848 não fez a contagem da população escrava.
O rio
Sergipe era muito importante para a economia da região do Cotinguiba, o já
mencionado Porto das redes ficava nesse rio nas proximidades de Santo Amaro e
Maruim, contribuindo assim para o desenvolvimento dessas cidades que ficavam no
vale, além dessas duas citadas, ficavam próximas também a cidade de Laranjeiras e a própria Rosário.
O transporte das
mercadorias era feito rio acima sendo escoadas em direção ao oceano, as importações
também chegavam pelo rio, muito por isso se deveu a mudança da capital para
Aracaju, já que as embarcações de grande porte não podiam adentrar tanto no rio
fazendo com que o transporte de mercadorias fosse dificultoso, era feito por
pequenas barcas que traziam as mercadorias para os barcos de maior porte. O lugar
que hoje é Aracaju foi a escolha ideal em 1855, um local litorâneo sendo um
porto para as grandes embarcações e também próximo ao vale do cotinguiba,
principal zona econômica de Sergipe.
Dentro desse panorama a
cana de açúcar era a principal fonte de riqueza da região, em Rosário existiam
em 1850 ao todo 60 engenhos, era disparada a base econômica da Vila,
destacando-se o Serra Negra do Dr. Leandro Siqueira Maciel, o mais poderoso
senhor de engenho da região no século XIX. Em todo o Sergipe poderia se contar
726 engenhos, o vale do cotinguiba era de longe a região mais próspera e
propicia para tal lavoura, mais da metade do total dos engenhos em Sergipe
ficava na região, é importante lembrar que o solo era o massapê o mais adequado
para a lavoura da cana.
A personagem
Das informações do
inventário pode-se inferir que Manoel Alves de Oliveira morreu com
aproximadamente 50 anos e tinha como meio de subsistência provavelmente a venda
de farinha, no seu pequeno sítio de oito tarefas deveria haver uma pequena
plantação de mandioca para abastecer a produção feita na pequena casa. A
produção de farinha possibilitou a ele não apenas ter esse sítio nas cercanias da
Vila do Rosário como também uma casa na própria Vila, o que leva a crer da
existência à época de um comércio significativo para esse produto na região.
Nesse ínterim faz-se a
pergunta sobre quem seriam os possíveis compradores da produção de Manuel Alves,
é revelador o depoimento do Senhor Messias Mateus, com 79 anos de idade em 1999,
quando do depoimento, extraído do livro “Rosário
do Catete (2000), (p. 75)” de Maria Lúcia Marques Cruz e Silva, nascido na
região do Rosário ele comenta:
“Meu pai trabalhou
a vida toda aí no engenho Bulandeira (...)
Os sertanejos
vinham para a Cotinguiba, arranjar o que levar. Eu digo porque ví. Não era pouquinho,
não. Vinha aquele comboio do sertão de cima, tudo pra aqui.”
A região onde fica a cidade de Rosário, o vale da Cotinguiba,
foi uma região rica na produção de açucar no século XIX e início do XX, como se
demonstrou mais acima, toda produção da região que não fosse a açucareira pode
ser considerada complementar a lavoura da cana, é fácil inferir que Manuel
Alves pode ter abastecido os engenhos, como pequeno produtor de alimentos que
era, no caso produtor de farinha.
A importância do depoimento do senhor Messias Mateus está nesse
novo elemento para a comercialização, a Cotinguiba socorria o sertanejo, a
chegada desses sertanejos ao vale deveria ser uma grande oportunidade para o
comércio, como diz o senhor Messias, os sertanejos vinham arranjar o que levar.
É preciso lembrar também que as cidades do vale da Cotinguiba se desenvolveram
a partir do século XIX, puxadas pela produção açucareira, Maruim por exemplo
foi considerada até a década de 50 do século XX o empório de Sergipe com a presença de tradicionais casa comerciais
que vendiam para diversas localidades do Estado. A população citadina também pode
ter sido alvo para a comercialização da produção de farinha de Manuel Alves de
Oliveira.
Mesmo
com esse contexto favorável para a comercialização à esposa do falecido Manuel
Alves pediu a abertura de inventário judicial, do inventário fica impossível
inferir as razões para tal, a senhora Clara Maria do Bomfim morava com os seus três
filhos na mesma casa na cidade de Rosário, talvez eles não se envolvessem
diretamente com a atividade econômica do patriarca, mas essa é apenas uma
possibilidade pensada por mim, outras questões surgem como, por exemplo, sobre
o destino dessa família, se ela continuou na Vila do Rosário ou mudou de cidade;
perguntas que ficam sem respostas mas que demonstram que mesmo a análise de um
simples documento nos traz informações importantes, principalmente se baseadas
num anterior conhecimento da época vivida pela personagem.
Referências:
- · Porto, Fernando. A cidade do Aracaju 1855/1865, Aracaju/SE.
- · Silva, Maria Lúcia Marques Cruz e, 1950. Rosário do Catete / Maria Lúcia Marques Cruz e Silva – Aracaju: Prefeitura de Rosário do Catete, 2000.
- · SEBRÃO, sobrinho; CARVALHO, Jose Sebrao de; CARVALHO, Vladimir Souza. Fragmentos de histórias municipais e outras histórias. Aracaju: Instituto Luciano Barreto Junior, 2003. 433 p.
- · http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao27/materia01 Acesso em 08/08/2013.
- · http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/sergipe/rosariodocatete.pdf Acesso em 08/08/2013.