sábado, 14 de setembro de 2013

RELATÓRIO DE COLETA DE DADOS

Por Ricardo Magno da Silva Júnior.
Graduando História pela Universidade Federal de Sergipe.
Prof. Doc. Antônio Lindivaldo Souza




A pesquisa tem como fonte o inventário que se encontra no arquivo geral do judiciário de Aracaju, na caixa nº 15, nº geral 1697, período 1906 – 1908, módulo III, sobre os bens deixados por Manoel Alves de Oliveira, que fora morador da cidade de Rosário do Catete, falecido no dia dezesseis de junho de 1908 na mesma. Essa pesquisa objetiva indentificar alguns traços da vida dessa pesonagem, Manuel Oliveira, sempre relacionando com a cidade a qual pertenceu.
            O inventário com a descrição e a avaliação dos bens de Manoel Alves de Oliveira foi escrito no dia 18 de agosto de 1908 pelo escrivão Antonio Vallido de Jesus Dantas a mando do Juiz Municipal e de órfãos Honorio Chaves, o qual intimou a viúva Clara Maria do Bomfim a descrever os bens, já que o falecido marido não havia deixado testamento.
Na primeira página do inventário o juiz, possivelmente de próprio punho, pois está assinada por ele ao final, faz o chamamento para a “produção” do inventário:

O Capitão Honorio Chaves Juiz Municipal e de Orphãos em exercício desta Villa do Rozario a seu termo na forma da lei  etc.
Mando ao Escrivão de meo cargo Antonio Vallido de Jesus Dantas indo este por mim assignado que intime nesta Villa a Clara Maria do Bomfim viuva de Manoel Alves de Oliveira e os demais interessados para dar a descrever e avaliar os bens deixados pelo seu fallecido marido. Este Juiz designa o dia 18 do corrente em casa de residencia da inventariante. 
Rozario 1º de agosto de 1908.”

Manoel Alves deixou três filhos “os demais interessados”, Leobino Alves de Oliveira, Philomena Alves de Oliveira e o menor de idade Augusto Alves de Oliveira que foi acompanhado durante a avaliação dos bens pelo curador de órfãos Manoel José da Silva Porto.
 O Juiz de órfãos era a autoridade designada para questões relativas à partilha de herança, inventários e pedidos de emancipação, como também sobre a tutela dos menores; quanto aos menores, mesmo que vivessem com a mãe, era quase sempre nomeado um curador porque esta, na maioria das vezes, era impedida de assumir a responsabilidade jurídica sobre os filhos.
O escrivão inicia a escrita do inventário declarando ter intimado, ter notificado, no dia 3 de agosto de 1908, todas as pessoas que deveriam estar na casa de Clara Maria do Bomfim no dia 18 do mesmo mês, incluindo o exactor, ou tesoureiro, da fazenda da Vila do Rosário Guilhermino Ribeiro da Cunha:

Certifico e dou fé ter intimado nesta Villa (...) a inventariante Clara Maria do Bomfim, aos herdeiros Leobino Alves de Oliveira, Philomena Alves de Oliveira e o menor Augusto Alves de Oliveira ao Exactor da Fazenda Guilhermino Ribeiro da Cunha e ao curador geral dos Órphãos Manoel José da Silva Porto(...)”

No dia 18 de agosto aconteceu a descrição e avaliação dos bens do falecido Manoel Alves, presentes todos os interessados, a viuva, os três filhos, o curador, o tesoureiro da fazenda e o juiz. O escrivão mencionou a idade dos filhos do casal, porém não foi verificada a idade da inventariante Clara Maria do Bomfim, nem do marido Manoel Alves, de modo que a minha suposição quanto a idade dos dois só pôde se basear na idade do filho mais velho, Leobino Alves de Olveira, descrito como tendo 26 anos de idade à época.  Segue nas palavras do escrivão:

Declarou a inventariante que seu dito marido faleceu no dia desesseis de junho sem deixar testamento algum deixando tres filhos de nomes = Leobino Alves de Oliveira idade de vinte e seis anos, Philomena Alves de Oliveira idade vinte anos, Augusto Alves de Oliveira de idade quartose anos, sendo estes os seus herdeiros todos morando nesta Villa a sua casa (...) Os bens que deixou são os seguintes. Um sitio de terras nas cercanias desta Villa com oito tarefas de terras demarcados com uma casa para fabricar farinha, que o Juiz deu o valor de quinhentos mil reis.
Uma casa com um (_ )nesta Villa, com duas janellas e uma porta de frente, terreno próprio (...) que o Juiz deu o valor de dusentos mil reis.

            Depois de avaliar os bens o juiz prosseguiu com a partilha para os herdeiros, do total de 700 mil réis recolheu 50 mil para as custas do processo e os restantes 650 mil dividiu para a família, deixando 325 mil réis para a viúva e 108 mil réis para cada um dos filhos.
A partir daí o escrivão relata apenas as declarações dos herdeiros quanto a concordância dos termos da avaliação e da partilha feita pelo juiz, e também faz uma minuciosa descrição dos gastos com o processo feita em 8 de setembro de 1908, gastos com o curador, as certidões, a intimação entre outros que foram cobertos com os 50 mil réis da partilha.

 
Um pouco sobre a história de Rosário do Catete


A história de Rosário do Catete está ligada a de Santo Amaro das Brotas, o povoado do Rosário nasceu em uma área dominada política e administrativamente por Santo Amaro, que tinha grande influência em Sergipe no final do século XVIII e início do XIX, devido à proximidade com o Porto das Redes que era utilizado para escoar a produção açucareira do vale da Cotinguiba, o mesmo acontecia com Maruim que também estava sob o domínio de Santo Amaro.
A primeira povoação do que hoje é Rosário do Catete se deu na propriedade de Jorge Almeida Campos, senhor do Engenho Jordão, por volta da década de 40 do século XVIII, às margens do rio Siriri, lá foi erigida uma capela para a Imagem de Nossa Senhora do Rosário, santa protetora dos homens pardos, em terra doada pelo mesmo senhor, por iniciativa dos escravos do engenho.
A imagem da santa segundo se dizia foi encontrada pelos escravos nas proximidades do lugar. A religiosidade esteve sempre presente e contribuiu sobremaneira para a organização social dos novos habitantes, principalmente para a população escrava que se organizava em irmandades. Em Rosário do Catete foi formada em 1817  a irmandade religiosa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, essa  data é referente a informação dada pela igreja, supondo assim que essa irmandadea seja até mais antiga.
O povoado do Rosário se tornou independente no ano de 1836 com a Lei de 12 de março do mesmo, sancionada pelo presidente de Sergipe DR. Bento de Melo Teixeira, e foi denominada Vila de Nossa Senhora do Rosário do Catete.
            Manuel Alves nasceu provavelmente na década de 50 do século XIX, no censo de autoria da Delegacia da Vila do Rosário de 28 de março de 1848 a população livre da Vila contava com cerca de 6.000 habitantes com 3.100 homens e 2.900 mulheres, é de se pensar que a população da cidade quando da morte do personagem em 1908 não tenha sofrido grandes alterações, a população atual da cidade de Rosário do Catete, ano de 2013, não passa de 10.000 habitantes, lembrando que o censo de 1848 não fez a contagem da população escrava.
            O rio Sergipe era muito importante para a economia da região do Cotinguiba, o já mencionado Porto das redes ficava nesse rio nas proximidades de Santo Amaro e Maruim, contribuindo assim para o desenvolvimento dessas cidades que ficavam no vale, além dessas duas citadas, ficavam próximas também a cidade de  Laranjeiras e a própria Rosário.
O transporte das mercadorias era feito rio acima sendo escoadas em direção ao oceano, as importações também chegavam pelo rio, muito por isso se deveu a mudança da capital para Aracaju, já que as embarcações de grande porte não podiam adentrar tanto no rio fazendo com que o transporte de mercadorias fosse dificultoso, era feito por pequenas barcas que traziam as mercadorias para os barcos de maior porte. O lugar que hoje é Aracaju foi a escolha ideal em 1855, um local litorâneo sendo um porto para as grandes embarcações e também próximo ao vale do cotinguiba, principal zona econômica de Sergipe.
Dentro desse panorama a cana de açúcar era a principal fonte de riqueza da região, em Rosário existiam em 1850 ao todo 60 engenhos, era disparada a base econômica da Vila, destacando-se o Serra Negra do Dr. Leandro Siqueira Maciel, o mais poderoso senhor de engenho da região no século XIX. Em todo o Sergipe poderia se contar 726 engenhos, o vale do cotinguiba era de longe a região mais próspera e propicia para tal lavoura, mais da metade do total dos engenhos em Sergipe ficava na região, é importante lembrar que o solo era o massapê o mais adequado para a lavoura da cana.


A personagem

Das informações do inventário pode-se inferir que Manoel Alves de Oliveira morreu com aproximadamente 50 anos e tinha como meio de subsistência provavelmente a venda de farinha, no seu pequeno sítio de oito tarefas deveria haver uma pequena plantação de mandioca para abastecer a produção feita na pequena casa. A produção de farinha possibilitou a ele não apenas ter esse sítio nas cercanias da Vila do Rosário como também uma casa na própria Vila, o que leva a crer da existência à época de um comércio significativo para esse produto na região.
Nesse ínterim faz-se a pergunta sobre quem seriam os possíveis compradores da produção de Manuel Alves, é revelador o depoimento do Senhor Messias Mateus, com 79 anos de idade em 1999, quando do depoimento, extraído do livro “Rosário do Catete (2000), (p. 75)” de Maria Lúcia Marques Cruz e Silva, nascido na região do Rosário ele comenta:

Meu pai trabalhou a vida toda aí no engenho Bulandeira (...)
Os sertanejos vinham para a Cotinguiba, arranjar o que levar. Eu digo porque ví. Não era pouquinho, não. Vinha aquele comboio do sertão de cima, tudo pra aqui.”
 
A região onde fica a cidade de Rosário, o vale da Cotinguiba, foi uma região rica na produção de açucar no século XIX e início do XX, como se demonstrou mais acima, toda produção da região que não fosse a açucareira pode ser considerada complementar a lavoura da cana, é fácil inferir que Manuel Alves pode ter abastecido os engenhos, como pequeno produtor de alimentos que era, no caso produtor de farinha.
A importância do depoimento do senhor Messias Mateus está nesse novo elemento para a comercialização, a Cotinguiba socorria o sertanejo, a chegada desses sertanejos ao vale deveria ser uma grande oportunidade para o comércio, como diz o senhor Messias, os sertanejos vinham arranjar o que levar. É preciso lembrar também que as cidades do vale da Cotinguiba se desenvolveram a partir do século XIX, puxadas pela produção açucareira, Maruim por exemplo foi considerada até a década de 50 do século XX o empório de Sergipe com  a presença de tradicionais casa comerciais que vendiam para diversas localidades do Estado. A população citadina também pode ter sido alvo para a comercialização da produção de farinha de Manuel Alves de Oliveira.
Mesmo com esse contexto favorável para a comercialização à esposa do falecido Manuel Alves pediu a abertura de inventário judicial, do inventário fica impossível inferir as razões para tal, a senhora Clara Maria do Bomfim morava com os seus três filhos na mesma casa na cidade de Rosário, talvez eles não se envolvessem diretamente com a atividade econômica do patriarca, mas essa é apenas uma possibilidade pensada por mim, outras questões surgem como, por exemplo, sobre o destino dessa família, se ela continuou na Vila do Rosário ou mudou de cidade; perguntas que ficam sem respostas mas que demonstram que mesmo a análise de um simples documento nos traz informações importantes, principalmente se baseadas num anterior conhecimento da época vivida pela personagem. 

 

Referências:

  • ·         Porto, Fernando. A cidade do Aracaju 1855/1865, Aracaju/SE.
  • ·         Silva, Maria Lúcia Marques Cruz e, 1950. Rosário do Catete / Maria Lúcia Marques Cruz e  Silva – Aracaju: Prefeitura de Rosário do Catete, 2000.
  • ·         SEBRÃO, sobrinho; CARVALHO, Jose Sebrao de; CARVALHO, Vladimir Souza. Fragmentos de histórias municipais e outras histórias. Aracaju: Instituto Luciano Barreto Junior, 2003. 433 p.
  • ·         http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao27/materia01  Acesso em 08/08/2013.
  • ·         http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/sergipe/rosariodocatete.pdf Acesso em 08/08/2013.